Marco Aurelio Pellom, Plastic Surgeon, Department of Regenerative Medicine Treatment of Burns and Complex Wounds, Clinica Sao Vicente, Brazil
Opinião
A busca pela regeneração da face e de outras estruturas do corpo humano tem passado por diversas tentativas, baseadas em técnicas cirúrgicas complexas com utilização de transplante de fragmentos ou membros retirados de doadores, seguido da administração de medicamentos imunossupressores para o restante da vida do paciente. Os resultados destes transplantes faciais estão longe do ideal e o grau de insatisfação destes pacientes é muito elevado, levando a casos de depressão grave, abandono do tratamento e até suicídio. Além de problemas técnicos como a recuperação da mobilidade facial, o transplante de uma unidade anatômica externa difere muito do transplante de um órgão interno, pois seu comportamento imunológico é muito diferente. A pele representa a interface entre o ambiente interno do nosso corpo e o ambiente externo, portanto possui um rico sistema de defesa especializado em responder a todos os tipos de invasores, o que a torna extremamente antigênica. Por esse motivo, as doses dos imunossupressores precisam ser maiores e ajustadas constantemente. Sabemos que os imunossupressores apresentam diversos efeitos colaterais como possibilidade de infecções bacterianas, virais ou fúngicas, com risco de sepse, insuficiência renal e até aumento da incidência de tumores malignos, acrescentando um risco adicional a um paciente previamente saudável.
A expectativa do paciente com deformidade facial grave é a ressocialização, a recuperação da autoestima, enfim, o bem-estar psicossocial. Na prática, nenhum destes fatores se concretiza.
O transplante apresenta pouca mímica facial, edema crônico, e o paciente ainda necessita tomar diversos medicamentos diariamente, convivendo com a perspectiva perene de rejeição ou possibilidade de manifestar algum efeito colateral ao uso de imunossupressores. Por todos esses motivos, acredito que isso a pesquisa ainda não terminou e que o caminho do transplante deveria ser substituído pelo da regeneração biomimética, através da autorregeneração tridimensional desencadeada ou induzida por algum mediador biomolecular. Se tivermos em conta que existem outros organismos vertebrados que possuem esta capacidade, como alguns peixes ou anfíbios, em particular a Salamandra, que conseguem realizar a autorregeneração completa e perfeita de um membro perdido e lembrar que na fecundação do óvulo humano, apenas uma célula dará origem a toda a complexa estrutura do nosso corpo, podemos concluir que existe uma forma de ativar essa função nos tecidos humanos, só não dominamos esse conhecimento ainda. No meu modo de pensar, enquanto continuarmos no caminho dos transplantes imunossupressores, mais nos afastaremos da chance de alcançar esse desbloqueio celular que iniciará o processo de autorregeneração.
As células humanas têm três momentos de bloqueio da diferenciação. Na formação do zigoto as células são totipotentes, isto é, podem se diferenciar em qualquer célula humana. Após isso, ocorre o primeiro bloqueio, quando as células se tornam pluripotentes e se diferenciam por folhetos: ectoderme, mesoderme e endoderme, depois ocorrerá o segundo bloco, quando as células se tornam multipotentes, diferindo apenas nas células de um folheto específico, e o terceiro bloco ocorre quando a célula se torna diferenciada, ou seja, unipotente, apenas se reproduzindo. Mas as células humanas podem se transdiferenciar e de se reprogramar, como ocorre na mama feminina, onde o tecido adiposo é transdiferenciado na glândula mamária na puberdade e na gravidez, e vice-versa após a amamentação. Na Salamandra, o processo regenerativo começa com a formação de um conglomerado de células pluripotentes denominado blastema que, controladas pelo sistema nervoso simpático, vão se diferenciando e caminhando em direção ao membro que será recém-formado.
É importante ressaltar que os conceitos atuais de células-tronco derivadas do tecido adiposo (ADSCs) são rudimentares e em muitas publicações não consideram o crosstalk intercelular e a importância do nicho celular como uma unidade metabólica microanatômica, onde várias células do mesmo tecido (incluindo células estaminais) complementam as suas capacidades celulares e moleculares para atingir um único objectivo, seja revascularização, regeneração ou outro. Outra consideração a ser feita é como controlar o mecanismo regenerativo: que forma assumir e quando parar. Estas mensagens estão certamente memorizadas no DNA nuclear de todas as nossas células, como um mapa ou projeto arquitetônico tridimensional (holográfico?). Ainda longe de ser uma regeneração como a da Salamandra, conseguimos obter resultados muito surpreendentes utilizando o tecido adiposo como indutor da diferenciação trans celular em feridas complexas, obtendo uma regeneração da lesão com revascularização, crescimento epitelial, ausência de fibrose e mimetizando o aspecto anterior à lesão, que chamei de “efeito Salamandra”.
Conclusão
A utilização de tecido adiposo devidamente preparado como modulador da regeneração de lesões externas humanas apresenta comportamento promissor na desejada regeneração completa de um membro ou fragmento perdido.
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